quinta-feira, 20 de maio de 2010

Oração do Cliente Aflito

“Senhor, fazei com que hoje eu consiga ser compreendido e encontre o que eu preciso, e que seja realmente a coisa certa. Que funcione corretamente e esteja em perfeito estado, sem nenhum defeito. E caso eu precise seguir alguma instrução, que seja fácil, simples, rápida, e bem sucedida. Mas se eu tiver que pedir ajuda a alguém, não permita que me deixem a esperar por um tempo interminável, após ouvir frases sem sentido e que não correspondem àquilo que eu realmente preciso. Peço também que me tratem com respeito, que escutem o que eu digo, e que ao invés de solicitar informações que eu não tenho, que entendam o meu problema e queiram de verdade me ajudar a resolvê-lo. Mas por favor, se eu tiver que fazer tudo de novo, dai-me paciência para não enlouquecer. E se no final, de nada adiantar todo o sacrifício, Senhor, não permita que eu caia em tentação e maltrate o meu semelhante.

Desculpe, Senhor. É que tenho estado um pouco mal humorado com o atendimento que recebo ultimamente e não sei mais a quem recorrer. Não há mais supervisores ou gerentes para nos socorrer quando os atendentes nos fazem de palhaços ou não conseguem solucionar a questão. Não há mais uma conversa normal e humana, mas sim um monte de frases padronizadas e muito mal lidas, seguidas de longas esperas silenciosas, a dúvida se ainda há alguém do outro lado da linha e o medo de ter que passar por tudo novamente. O que parece tão simples é transformado em complicação.

Ajude-me, Senhor, a me controlar e a não sentir vontade de esganar o próximo. Como naquele dia em que eu precisei de uma informação, e depois de ficar 20 minutos esperando para ser atendido (apesar de a gravação garantir que eu era o próximo da fila), fui bombardeado por perguntas que não eram pertinentes. Quase chorei quando tive que informar quase todos os meus dados pessoais, mas, Senhor, quando o cidadão me pediu um tal de ‘número de série’ do produto que eu tinha comprado, eu entreguei os pontos. Ele disse que o número ficava embaixo do produto, e que eu teria que virar de ponta cabeça para ver. E ele falava sério. Eu implorei que me poupasse desse martírio, expliquei que eu falava de um telefone com fio e que o produto em questão era pesado e estava em outro cômodo da casa. Nenhuma piedade. Não me controlei. Larguei o telefone e disse coisas terríveis em voz alta, em meio a um ataque histérico. Sei que não me comportei bem, Senhor, mas passei por muitas provações. Contra a minha vontade virei o produto e anotei o código, com muita dificuldade.

Foi quando percebi que minha mãe, que acompanhava todo o processo, pegara o telefone e perguntava ao atendente sádico se havia a possibilidade do tal número de série estar em algum outro lugar. E ele respondeu que talvez sim. TALVEZ SIM!!! ‘Poderia’ estar na caixa do produto. A mesma caixa que esteve ao lado do telefone o tempo todo. O número estava na caixa, sim, claro que estava. Por que, meu Deus, por quê? Será pedir demais que a pessoa tenha iniciativa e bom senso, e vontade de facilitar a vida dela e dos outros? Não teria sido mais rápido, mais agradável? Não pude me conter novamente, e o que eu disse em altos brados foi bastante desagradável. Quando peguei o telefone de volta, não havia mais ninguém na linha.

É triste lembrar que tive que repetir todos os passos até efetivamente falar com outra pessoa. Pelo menos esta era menos irritante que a primeira e suportou pacientemente meus desaforos e desabafos, pois percebeu que eu tinha passado por maus bocados na primeira tentativa. A informação que eu precisava era tão simples, Senhor, eu só queria saber qual botão eu devia apertar. Era algo que não estava no manual. Mas a resposta foi de novo chocante: ‘Aperte o botão verde e o cinza ao mesmo tempo, pressionando os dois o tempo todo, sem soltar, e enquanto isso tire o fio da tomada e não solte os botões; espere um pouco, depois coloque o fio na tomada novamente, mas não solte os botões em hipótese alguma, até aparecer alguma coisa no visor’. Tudo isso com o telefone apoiado entre a orelha e o ombro, meio abaixado e de cabeça para baixo. Senhor, acho que precisamos de mais mãos, mais ouvidos e mais paciência. Dai-nos esperança de um atendimento melhor. Amém.”

Carla Ricci